Entrevista de Roberto Crema a Hélyda di Oliveira
Roberto Crema, reitor da UNIPAZ, psicólogo, antropólogo. Nesse bate papo, vocês terão a oportunidade de conhecer, não só as falas, mas o coração, as inspirações e a alma de quem inspira a Unipaz para tudo que a gente faz e tudo que ainda vamos fazer.
Repórter:
Roberto, é uma alegria estar com você e hoje nós teremos um bate papo para falar de coisas que você vive, que você faz, que você contribui e que você nos orienta na Unipaz. Então bem vindo nesse bate papo. Nós estamos na Unipaz DF. A casa em Brasília da Unipaz é um espaço muito agradável, na Granja do Ipê, que tem cachoeiras, que tem árvores lindas e hoje nosso encontro é aqui, na Casa da Cachoeira. Vamos compartilhar com vocês esse nosso diálogo.
Roberto, como foi o seu encontro com a Unipaz, a sua vida como profissional, antes da Unipaz? Qual foi o momento em que você teve um chamado e reencontrou e trilhou um novo caminho na Unipaz?
Roberto Crema:
Primeiro obrigado Hélyda, por essa oportunidade e pelas palavras gentis. Nós estamos em 1980, no início. Na época eu era um psicólogo, um antropólogo que tinha caminhado por várias trilhas. Mais racionalistas, mais centradas numa ciência convencional, com sua riqueza, naturalmente. Mas alguma coisa dentro de mim, pedia algo que eu não sabia o que era. Às vezes eu sentia um pouco de falta de ar. Foi quando eu recebi um folder falando de um cosmo drama que iria ser orientado pelo Pierre Weil.
Eu já tinha ouvido falar do Pierre Weil, e nesse dia eu disse: Tá na hora de conhecer o Pierre. E lá eu fui com um grande amigo na época, um consultor de empresas. E me deparo com um homem centrado, com a coluna ereta. Foi muito estranho porque eu olhei nos seus olhos azuis e algo se abriu no meu coração, imediatamente. Antes de qualquer palavra, naquela situação completamente nova pra mim. Eu escuto o Pierre Weil dizer que iria falar sobre a raiz do sofrimento humano. Isso me interessou muito, porque nós vivemos com o sofrimento, isso faz parte da escola da existência.
Mas uma raiz? Uma única raiz? E então o Pierre disse: Existe o apego, que gera o medo, que gera o stress, que gera a doença. O apego é a identificação, seja lá com o que for. Com uma ideia, com um objeto, com o status. Tudo está em transformação. Se nós nos apegamos, se nós nos identificamos, nós vamos temer perder. Estaremos no Stress que vai nos conduzir às diversas enfermidades do corpo e da alma. Aquele momento foi um momento redefinidor da minha existência. O homem entrou naquela sala às 7 horas da noite e outro homem saiu. O Pierre me indicou os horizontes do ser e do amor. Essa foi a grande lição que o Pierre nos ofertou durante toda a sua existência. Evoluir do amor ao poder para o poder do amor.
Repórter:
Você foi uma pessoa que conviveu com Pierre. O que você lembra como o maior aprendizado? Como foi a vivência com o Pierre? Como foi estar ao lado de alguém que deixou esse legado incalculável que é a Unipaz?
Roberto Crema:
Após esse primeiro encontro, que foi um encontro de transformação, eu pensei: eu tenho algo a fazer com esse homem, que indicou no momento correto da minha existência, um horizonte ampliado do ser. Então eu fui procurar o Pierre. Na época ele morava em Belo Horizonte, quando eu soube que ele tinha partido para realizar um retiro. Chamado 333: três anos, três meses e três dias. Um retiro Tibetano que foi realizado na França. Então durante 3 anos, 3 meses e 3 dias eu esperei o retorno do Pierre. Eu tinha um projeto. Eu iria convidá-lo para que ele fosse o Presidente de Honra de um Congresso de Psicologia Humanística e trans pessoal.
Quando nos reencontramos, após esse período no qual eu mergulhei, integrando as ciências convencionais com as ciências de ponta, com a nova física, a nova biologia. Foi quando eu me deparei também com os Himalaias, com o Oriente, com a tradição Zen, com o Taoísmo, com Yogananda, com Krishnamurti. Então esse foi um tempo muito rico, de preparação para o meu reencontro com Pierre. E quando de fato nos reencontramos, ele me ouviu e disse: Roberto, vamos avançar, vamos realizar sim um Congresso, porém um Congresso Holístico. Um Congresso de integração e de diálogo entre a Ciência, a Filosofia, a Arte e a Espiritualidade. Imediatamente eu percebi que esse era o novo cenário. Então nós realizamos um Congresso que foi gestado em apenas 9 meses, o tempo de uma gestação mesmo. Estávamos em março de 1987. Em Brasília, aconteceu o primeiro Congresso Holístico Internacional e nós trouxemos para Brasília, representantes de diversos países, da Ciência, da Arte e da Espiritualidade.
Esse Congresso foi inovador. Muitas pessoas viveram nesse Congresso o que eu vivi durante o meu primeiro encontro com Pierre Weil. Uma abertura de visão, de coração e de mente para um novo existir. O José Aparecido, na época o Governador do Distrito Federal, foi convidado para abrir o Congresso. Mas quando ele escutou o Andre Soraggi, que traduziu o Antigo Testamento, o Novo Testamento e o Corão. Quando ele ouviu o Jean-yves Leloup e o próprio Pierre Weil. Seres que estavam, cada um deles, a partir de suas ciências específicas partilhando uma visão comum, o Governador José Aparecido sentou-se e participou do Congresso. Eu estava coordenando o encerramento do Congresso quando ele se anunciou. Ele sentou-se conosco, escutou todos os palestrantes. Eu passei a palavra para ele e ele disse, para minha total surpresa: Esse Congresso não pode acabar. Vamos criar uma Universidade da Paz e que o Pierre Weil seja o seu Reitor.
E desde então, 1/4 de século transcorreu e eu tive essa oportunidade rara, pela qual sou eternamente grato. De ter caminhado passo a passo, dia após dia com esse grande mestre, de coração aberto, de visão inclusiva, que integrou caminhos que percorreu, do oriente e do ocidente. Em última instância ele fez uma integração entre a psicologia e a ciência ocidental, a psicologia e a ciência oriental. Até 2008, quando ele deixou essa existência, com 84 anos, mas eu posso te dizer que o Pierre Weil tombou vivo e partiu com a missão cumprida. Cabe a cada um de nós, operários dessa Universidade Internacional da Paz, que já se encontra em cerca de 25 espaços no Brasil e também no exterior. Na Argentina, na França, na Inglaterra, na Suíça, no Canadá, já tem sementes da Unipaz. É um movimento que se propaga pelo mundo afora, graças à vidência do Pierre Weil.
Repórter:
Roberto, ao longo desses 25 anos, muitas coisas foram vivenciadas, foram construídas, foram sonhadas, foram realizadas, foram inspiradas. Você teve a oportunidade, de passar um tempo fora, de passar um tempo com um olhar mais distante. No sentido local, da Unipaz DF, onde é a sua residência, onde é a sua grande morada. E como foi a experiência, você acabou de chegar da França, ainda não totalmente, você ainda está em um retorno. E porque você permaneceu lá um tempo e o que você traz de volta?
Roberto Crema:
Pouco antes da passagem do Pierre, nós tivemos um encontro, ele já estava naquela ocasião, com o peso dos dias, já sem visão. Eu dizia pro Pierre que sempre fez a ponte entre o Brasil e a França. Na realidade, o Pierre sonhou com a Unipaz na França, na época da Segunda Guerra Mundial. Quando ele fez parte da resistência francesa mas na Cruz Vermelha, porque ele não quis pegar em armas. E ele nessa ocasião, sonhou a Unipaz. Uma educação para a vida, uma educação para o amor, uma educação para a paz. E durante todo esse tempo ele fez a ponte. Uma vez por ano ele ia à França e também a Portugal, onde nós temos uma unidade da Unipaz muito viva. Eu dizia pro Pierre que isso não poderia sofrer uma descontinuidade.
Então eu realmente viajei pra França com a minha mulher e lá passei 3 anos. Para viver o luto do Pierre Weil mas também para trabalhar com a Unipaz França. Nós estreitamos os nossos laços, eu pude dar vários seminários. Também levei uma formação para Portugal. Introduzi 4 Universidades na Europa: A Universidade de Paris, a Universidade de Lovan na Bélgica, a Universidade de Geneve na Suíça e o Conservatório de Artes e Trabalho, também em Paris. Eu realizei um projeto de pesquisa, para formação holística de base, para a nossa Unipaz. Com relação à abordagem biográfica, foi uma grande felicidade poder ter introduzido no ambiente acadêmico da Europa o nome do Pierre Weil e a obra da Unipaz. E eu já estou, como você disse, bem no caminho de volta. Na realidade já se vão 3 anos e 3 meses. Eu digo que foi também um pouco meu próprio retiro e eu já estou de volta.
Porém, após esse distanciamento eu nunca se separei da Unipaz. Continuei sendo o Reitor da Unipaz que é internacional, só que nesse contexto que é o do velho mundo. E nesse momento, eu sinto que essa casa da Unipaz em todo o Brasil, vive uma certa renovação. Nós nos preparamos agora para a Unipaz mais 25 anos. Nós já vivenciamos ¼ de século de existência, já realizamos muitos projetos, sempre ligados a uma ecologia individual. A transformação do ser, precisa começar no interior de nós mesmos. Mas falamos de uma ecologia social, ou seja, transpirar essa transformação pra sociedade. Falamos também de uma ecologia ambiental, ou seja, precisamos ser jardineiros para que essa terra possa de novo ser um jardim. Então após esses três anos e três meses, eu me sinto bastante revigorado pra prosseguir nessa tarefa, que é a tarefa de todos nós.
Repórter:
E Roberto, qual é o seu sonho de Unipaz + 25? Qual é a Unipaz que você sonha?
Roberto Crema:
Eu sonho uma Unipaz sobretudo com a força jovem, porque na Unipaz já estão os nossos filhos e até mesmo os nossos netos. Então são 3 gerações. Eu sonho com seres humanos que se colocam de pé, apesar de tudo, apesar de todo esse momento que nós vivenciamos. É uma crise global. Porém, uma crise global, solicita uma inteligência integral, para fazer frente, para que possamos transmutar a crise numa oportunidade de aprendizagem, numa oportunidade de evolução. Eu sonho com seres humanos que transgridem o que aqui nós denominamos de normose, é um conceito que desenvolvemos junto com Jean-yves Leloup e o próprio Pierre Weil. A normose é a patologia da normalidade. A normose é uma doença da pequenez e da mediocridade. É uma doença que surge quando o sistema onde vivemos encontra-se dominantemente doente, dominantemente corrupto, dominantemente violento. Quando nós perdemos a escuta, quando nós perdemos a visão.
Uma visão do global para uma ação no local. Quando estamos, através de um egocentrismo exacerbado. Quando estamos realmente vivenciando um momento que a própria família humana se sente ameaçada, juntamente com a biosfera. Não podemos esquecer que o dia nasce no coração da noite. E eu sonho com uma Unipaz que seja essa chama. Essa chama que cada um de nós possa acender. Nós sempre podemos acender uma vela ou invés de apenas reclamar da escuridão. É uma chama que a partir de nossos corações, pode ser irradiada às nossas famílias, às nossas comunidades, as nossas cidades. Mas a nossa intenção é que essa paz, de fato, seja um movimento internacional. Possa facilitar que a humanidade se torne um pouco mais íntegra, um pouco mais inteira. E que possamos, quem sabe, ainda nesse século, que já estamos na segunda década.
Quem sabe, nós poderemos, caminhar como uma família humana que possa ser mais plena. Porque se a Unipaz está fazendo 25 anos, e nós celebramos. Também, curiosamente, está fazendo 100 anos do naufrágio do Titanic. Eu vejo no Titanic uma metáfora. Uma metáfora do nosso momento. Porque nós fazemos parte de uma só família, nós bebemos da mesma fonte, dividimos o mesmo ar. Estamos em um único barco, como já disse um grande líder, não haverá uma outra Arca de Noé. Nós precisamos transmutar esse Titanic que naufraga por falta de visão. Por falta de coração, por falta do norte, da ética, do amor compassivo, da fraternidade. Que possa se aliar à nossa ciência, à nossa tecnologia. Mas uma ciência e uma tecnologia desconectada do amor e da solidariedade, só pode nos levar a esse Titanic que naufraga. Então eu creio que nós poderemos transmutar esse final dramático. E nós poderemos reconstruir, a partir do nosso interior, uma casa mais humana, uma casa mais feliz. Onde a mente e o coração, a sensação e a intuição, o masculino e o feminino estejam dançando essa dança que nós chamamos de paz.